Bolsonaro consolida apoio do agro, mas economia e cenário externo preocupam o setor

Além do aumento dos custos da produção, há temor de represálias comerciais por deterioração da imagem do país.


Buscando reduzir sua desvantagem em relação ao petista Luiz Inácio Lula da Silva na corrida eleitoral, Jair Bolsonaro (PL) intensificou nas últimas semanas a agenda de compromissos em eventos promovidos pelo agronegócio, setor apontado como importante reduto de apoiadores do presidente da República na campanha pelo segundo mandato.

No sábado (14), o chefe do Executivo participou por videoconferência de um ato político de seu partido, o PL, em Goiás, criticou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e destacou a entrega de títulos de propriedade rural como um dos feitos de seu governo.

“Tivemos uma política firme contra as ações das lideranças do MST, quando começamos a titular terras pelo Brasil. O assentado, ao receber um título de propriedade, passou a ser um cidadão e ficou do nosso lado”, disse Bolsonaro. Na véspera, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) anunciou a suspensão temporária de todas as atividades “não urgentes” – entre as quais justamente a entrega dos títulos –, alegando falta de recursos.

Alguns dias antes, em 11 de maio, o presidente já havia marcado presença na 48ª edição da Expoingá, uma feira agropecuária em Maringá (PR). Em tom de comício, Bolsonaro defendeu o porte de armas de fogo no campo e foi ovacionado pelos simpatizantes aos gritos de “mito”. Um pouco antes, ele havia participado de uma “motociata” com apoiadores pelas ruas da cidade paranaense.

No fim de abril, Bolsonaro foi a principal atração da Agrishow, tradicional feira do agronegócio em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. O presidente-candidato chegou ao local montado em um cavalo. Ao discursar, acompanhado pelo ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), candidato ao governo paulista, Bolsonaro criticou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e bradou: “Só Deus me tira daquela cadeira”.

Além do presidente, também compareceram à Agrishow outros pré-candidatos ao Planalto, como Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB). Ciro foi hostilizado por eleitores de Bolsonaro, com os quais bateu boca e trocou xingamentos. Doria, por sua vez, passou quase despercebido.

“O agronegócio será fundamental na eleição”, avalia o empresário e ex-ministro da Agricultura Antônio Cabrera, que comandou a pasta entre 1990 e 1992, no governo de Fernando Collor, em entrevista ao InfoMoney. “Há vários atores políticos importantes, sobretudo na bancada ruralista, e também muitos governadores que são ligados ao agro.”

Para Cabrera, o agro deve reeditar neste ano o suporte dado a Bolsonaro nas eleições de 2018. “Vai haver uma dificuldade muito grande de se posicionar do outro lado, agora que a terceira via não deve mesmo se viabilizar. Não tem mais [Sergio] Moro, não tem Simone Tebet. É Lula ou Bolsonaro”, opina.

“É impensável que alguém ligado ao agronegócio diga que vai ficar com o Lula. Aí já seria um voto pura e simplesmente ideológico, um voto perdido”, afirma. “Não podemos enxergar a eleição como uma maneira de satisfazer nossas vontades individuais. Temos que optar entre as duas candidaturas colocadas. Eleição é escolha.”

Antipetismo no campo

Segundo Carlos Eduardo Borenstein, analista político da Arko Advice, o agronegócio vem pendendo muito claramente para o espectro político mais conservador nas últimas décadas. “Observamos que, a partir de 2006, o Centro-Oeste e o Sul, regiões em que o agronegócio é muito forte, se inclinaram primeiro para a centro-direita, com o PSDB, e depois mais fortemente para a direita, com Bolsonaro”, aponta. “Além desse apoio muito expressivo do agro em 2018, é importante lembrar que até pouco tempo atrás a Tereza Cristina, que é muito vinculada ao setor, foi a ministra da Agricultura”, completa.

Ricardo Ribeiro, sócio da Ponteio Política, chama atenção para um comportamento eminentemente refratário à esquerda. “A verdade é que esse setor sempre votou contra o PT. Mesmo nas eleições vencidas pelo PT, toda essa região em que o agronegócio é forte sempre foi de estados ‘azuis’. No caso do Bolsonaro [em 2018], a diferença é que alguns estados ‘vermelhos’, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, mudaram e o apoiaram naquela ocasião”, lembra. “De qualquer forma, o setor do agronegócio é estratégico, é uma base importante do Bolsonaro. Além de ter uma parte significativa do eleitorado, embora não majoritária, cria uma rede de apoio empresarial relevante.”

Para Ribeiro, o antipetismo de amplos setores do agro é “natural”. “O PT, como um partido de esquerda, está mais aberto a temas relacionados à reforma agrária e conta com o apoio do MST. É uma questão ideológica, fundamentalmente. Há uma visão de que o PT vai contra interesses do agronegócio”, explica.

Ele pondera, no entanto, que uma eventual nova gestão petista poderia ser capaz de reconstruir pontes com o setor. “É importante lembrar que durante parte do governo Lula houve uma boa relação com o agronegócio. O primeiro ministro da Agricultura do Lula foi o Roberto Rodrigues [2003-2006], muito ligado ao agro. Não é uma relação que não possa ser restabelecida”, avalia.

O fardo econômico

Apesar do apoio consolidado junto ao agro, Bolsonaro enfrenta hoje uma conjuntura econômica difícil. Em 2021, a agropecuária terminou o ano estagnada, registrando uma ligeira queda de 0,2% em relação a 2020 – em direção oposta a setores como indústria e serviços, que fecharam em alta.

No quarto trimestre, o segmento teve retração de 0,8%, na comparação com o mesmo período de 2020. Só no terceiro trimestre do ano passado, segundo o IBGE, o tombo foi de 8% em relação aos três meses imediatamente anteriores.

Entre as maiores dificuldades apontadas por especialistas, estão questões climáticas (houve rigorosa seca no Sul do país e enchentes na Bahia que destruíram lavouras inteiras), elevado custo de produção (com alta no preço dos defensivos e fertilizantes agrícolas) e atraso na entrega dos produtos, especialmente no auge da pandemia de Covid-19.

A guerra entre Rússia e Ucrânia também tem atingido diretamente o setor, afetando a cadeia global de suprimentos. O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos, e o maior importador mundial do insumo. Cerca de 85% dos fertilizantes que o Brasil utiliza são importados. A Rússia é o maior exportador para o país – US$ 3,5 bilhões (R$ 18 bilhões) em 2021, segundo dados do Ministério da Economia.

Outro pesadelo para o agro é a alta no preço do diesel. Na semana passada, a Petrobras (PETR3 ; PETR4anunciou a elevação em 8,87% do valor do combustível para as distribuidoras. O diesel é insumo para a operação de máquinas agrícolas e de caminhões que transportam as mercadorias. Maior algoz do presidente, a inflação preocupa o setor: em abril, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,06%, ultrapassando os 12% no acumulado de 12 meses. Foi a maior alta para o mês em 26 anos.

“Em relação a 2018, o cenário mudou consideravelmente, pela sensação térmica que o eleitorado tem em relação à economia, principalmente no que diz respeito à inflação”, compara Borenstein. “É claro que ainda é um apoio importante, mas a conjuntura mudou. No momento, ela é adversa ao presidente”, analisa.

“Dois agros”

As controvérsias geradas pelo atual governo por causa das posições de Bolsonaro sobre temas como democracia, meio ambiente e sustentabilidade levaram algumas associações do agro a esboçar um distanciamento em relação ao presidente. Em agosto do ano passado, no ápice dos embates entre o Planalto e o STF, sete entidades divulgaram um manifesto em defesa das instituições democráticas.

As associações representam mais de 330 companhias. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que reúne mais de 200 associados, também assinaria o manifesto, mas desistiu. Poucos dias depois, apoiadores do presidente foram às ruas para protestar contra a Suprema Corte. Grupos do agro ligados ao governo apoiaram o levante bolsonarista de Sete de Setembro.

A reportagem do InfoMoney entrou em contato com a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), que preferiu não se manifestar. A entidade informou que seu estatuto a impede de “opinar sobre posições políticas”. Outras associações signatárias do documento também foram procuradas, mas não se pronunciaram.

Na avaliação de Borenstein, apesar de divergências pontuais, o agronegócio continua apoiando o governo. “Neste momento, o setor tem uma identificação maior com Bolsonaro, apesar de algum racha. Fissuras podem ocorrer, mas o que eu enxergo é que a maior parte do setor deve se alinhar à candidatura do presidente”, afirma.

Segundo Cabrera, há “dois tipos de agro” no Brasil. Em linhas gerais, os produtores rurais tendem a apoiar Bolsonaro, enquanto a agroindústria e os negociadores no mercado internacional são mais refratários ao presidente porque temem represálias comerciais aos produtos brasileiros e impactos negativos na imagem do país. “As grandes empresas com ação na Bolsa têm, em geral, uma postura de mais restrição”, admite.

A percepção de que o governo brasileiro é negligente na preservação do meio ambiente aumenta à medida que são divulgados dados sobre o desmatamento na Amazônia. De acordo com balanço do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mil quilômetros quadrados de floresta foram derrubados em abril, um recorde para o mês. O índice corresponde a um aumento de mais de 70% em relação ao desmate registrado em abril do ano passado, de cerca de 580km².

“O desmatamento ilegal é muito ruim para o país e tem de ser combatido com todo o rigor da lei. Tem que se analisar a fundo essa questão”, reforça Cabrera. “Infelizmente, vivemos em um país que ainda tem grandes desafios. Se você não consegue garantir a segurança de quem vive nas grandes metrópoles, como Rio de Janeiro ou São Paulo, imagine o desafio de garantir a segurança no interior da Amazônia”, prossegue o ex-ministro da Agricultura.

“No Brasil, temos Estado demais em muitas áreas e Estado de menos em tantas outras. Em relação ao desmatamento, o Estado tem de se impor. É necessária uma presença mais efetiva e maior fiscalização.”

Autor da matéria: Pâmela Pires
Fonte: Infomoney

Últimas matérias